Não conheço mais ninguém que diga com ares de autêntica modéstia: “Não sei”. Todos professam conhecimento sobre tudo, opinam sobre qualquer coisa, exercem uma rede de certezas que me deixa entontecido. Parece que virou crime dizer “Não sei”. […] A regra é falar sem parar, mesmo quando o assunto não começou. Diálogos epilépticos, pulando freneticamente de temas, sem fim possível.
[…] Com a Internet, Orkut e céleres estruturas de informação, apesar de tantas virtudes comunicativas e de convivência que geraram, criou-se uma geração de palpiteiros, mais do que formadores de opinião. A vivência foi substituída pela vidência. Pior que enganar os outros é se enganar. Na verdade, dura verdade, a cultura não se adquire sem esforço, inquietações, ensaios e exercícios, vacilos e resistência. A memória não se dá bem com facilidades. A afetividade se desenvolve na dúvida, na absorção amadurada do raciocínio. Inteligência é também a humildade de se calar e de se retirar para estudar mais, ao contrário do que vem sendo alardeado aos quatro cantos do cérebro: de falar a todo momento para mostrar erudição. […]
Acredito que é o momento de preservar a ignorância, de instaurar uma “Renascença às avessas”. Se a Renascença valorizou o homem completo, o Leonardo da Vinci, a multiplicidade dos talentos em um único indivíduo (pintor, inventor, fabulista, cientista, poeta, pensador), deve-se entusiasmar agora o “homem incompleto”, insuficiente, que admite desconhecer temas e assuntos para não atrofiar sua curiosidade.
Um teólogo das antigas, Nicolau de Cusa (1401-1464), elogiado por Giordano Bruno, escreveu um livro chamado Douta Ignorância, em que recomenda a conscientização do que não se aprendeu para saber mais. Quem não sabe vai atrás. Quem diz que sabe apenas se conforma em dizer que sabe.
A sinceridade é a melhor forma de não sofrer para depois explicar o que o Googlenão listou. Viver já é uma pós-graduação e não admite fingimentos porque a vida não dá trégua para a imaginação ou fornece instruções de comissário de bordo. Exige o mais difícil sempre. Antes de um beijo, de um abraço, de uma despedida, não se recebe pausa para pensar o que fazer e escrever rascunhos. Não há tempo para raciocinar nem existe curso preparatório para viver ─ vive-se de cara.
Fabrício Carpinejar é poeta a jornalistas, autor de Cinco Marias (bertand Brasil, 2004), entre outros.
Fonte: Prova da UFC/CCV – Bibliotecário / Documentalista – 2008